Artigos Joceval
DESCARTES E O CETICISMO - Autor: Joceval A. Bitencourt
junho 28, 2018Prof. Dr. Joceval Bitrencourt
RESUMO:
Este artigo analisa a retomada do ceticismo grego pelos pensadores modernos, em
três etapas: 1º - Origem e desenvolvimento do ceticismo grego; 2º – condições
históricas do século XVI e XVII que facilitaram o acolhimento, entre os
principais pensadores da época, do ceticismo grego; 3º – Descartes,
tendo transformado a dúvida natural em dúvida metódica; tendo combatido
e vencido os céticos, indica o Cogito, sua primeira verdade
indubitável, como o único caminho, seguro e certo, para o progresso do
conhecimento humano.
PALAVRAS-CHAVE: Método, Ceticismo, Ciência
ABSTRACT:
This paper analyzes the
resumption of Greek skepticism by modern philosophers in three stages: 1 - the
origin and the development of Greek skepticism; 2 - the historical conditions
of 16th and 17th century which allowed to strengthen the Greek skepticism among
those philosophers; 3 - Descartes (who transformed the natural doubts in
methodical doubt after to fight and to win the skeptics) indicates the Cogito,
the first undoubted truth, as the only safe and sure way for the progress of
human knowledge.
Tendo
em conta a grande extensão deste tema: A
RETOMADA DO PENSAMENTO ANTIGO PELOS MODERNOS, sabendo que o mesmo abarca,
com poucas exceções, quase que a totalidade da Filosofia Grega, com suas
ramificações, optamos por fazer um demarcação mais específica, tomando o ceticismo grego como tema alvo de nossa
reflexão. Num primeiro momento, indicaremos como os modernos dos séculos XVI
e XVII, recorrendo aos céticos gregos, interpretam o seu tempo; num segundo
momento, através de Descartes, indicaremos como, da superação do ceticismo –
antigo ou moderno -, estruturou-se e configurou-se a razão moderna[2].
Os
séculos XVI e XVII são marcados por profundas transformações, período de crises
em todos os campos da cultura: na política, na teologia, na filosofia, nas
ciências e nas artes. Crise de ruptura, de mutação, entre o pensamento antigo,
que ainda não se fora completamente, e o pensamento novo, que ainda não se
afirmara inteiramente. Contudo, é um dos momentos mais ricos na história do
pensamento ocidental. Ainda não se sabe
a conformação do devir, o que se sabe é que um determinado mundo encontra-se em
processo acentuado de desconstrução. Diante da nova linguagem do mundo, a
verdade revelada perde sua autoridade, a razão vira-lhe as costas, a terra não é mais o centro do universo, a
Europa já não é o centro do mundo, a nova cartografia conquista continentes
dantes desconhecidos, o cosmo hierarquizado, ordenado, esférico, cai por terra,
em seu lugar, surge um novo universo, infinito, aberto, desprovido de qualquer
finalidade, dotado de uma natureza
mecânica, regida por uma física puramente quantitativa, cuja a engrenagem, seu
verdadeiro funcionamento, só se torna inteligível através da linguagem
matemática[3]. O mundo está “de cabeça
para baixo”, o “devido lugar” de cada coisa na ordem do universo, já não está
mais lá, as cartas foram embaralhadas, o cosmo desarrumou-se, o homem encontra-se,
como que perdido, sem centro, sem verdade, sem referências seguras para
operacionalizar o mundo real ou espiritual; parece o fim dos tempos, como bem
indicou o Pe. Mersenne: “não vos parece
– escreve ele a Ruarus – o anúncio do fim do mundo?”[4]; Pascal, por sua vez, se
apavora com “o silêncio dos espaços infinitos”[5]; o poeta John Donne, em
1611, sintetiza, de forma exemplar, o estado de crise em que vive o homem desse
período:
“A
nova filosofia põe tudo em dúvida, o elemento do fogo está completamente extinto,
o sol está perdido, e também a terra, e nenhum espírito humano tem com o que se
orientar para a procurar, e os homens confessam livremente que este mundo está
em ruínas, quando entre os planetas e o firmamento eles procuram tantos mundos
novos; eles vêem então que tudo está de novo pulverizado em Átomos, tudo está
em pedaços, toda a coerência perdida (...)[6].
Neste
cenário de incertezas, de dúvidas, de um quase pavor diante da completa
desordem referencial do mundo, renasce uma filosofia típica dos períodos de
crise: o ceticismo. Entre o início do século XVI e meado do
século XVII, o ceticismo torna-se, como que, uma filosofia ou uma forma de
pensamento bastante em moda; todos, ou pelos menos os melhores espíritos,
tornam-se herdeiros de Pirro[7]. O ceticismo está por toda
parte. Descartes, na Sétima Objeção e
Resposta, diz que não se deve pensar que a seita dos céticos desapareceu,
ao contrário, ela floresce cada vez mais. Quase todos que julgam ter alguma
habilidade no campo do conhecimento, não encontrando na filosofia ordinária
nada que lhes satisfaçam, refugiam-se no ceticismo[8]. Muito contribuiu para tal
fato, a tradução, do grego para o latim, de duas obras de Sexto Empírico, a
primeira, Hipotipose Pirronianas,
traduzida em 1562, por Henri Estienne; a segunda, Adversus mathematicos, traduzida
em 1596, Gentien Hervet, em 1569.
Este espírito que indica a impossibilidade de a razão humana
constituir uma ordem de verdades sobre qualquer realidade, física ou
espiritual, que ressurge na aurora dos tempos modernos, já se encontra presente
no mundo grego, através de vários pesadores. Mesmo reconhecendo breves manifestações
céticas no pensamento grego, entre pré-socráticos, sofistas e até mesmo
Sócrates, quando indica que o não saber constitui a causa originária do saber,
só com Pirro de Élis (360 – 275), é
possível demarcar, com precisão, o nascimento, plenamente maduro, do ceticismo
ocidental[9].
Entre todos os
céticos, Pirro, tornou-se o mais conhecido, principalmente depois das
exposições feitas por Sexto Empírico sobre seu pensamento. Torna-se Sexto
Empírico fonte de referência para os diversos estudos sobre o ceticismo
clássico: Cícero (Os Acadêmicos),
Diógenes Laêrtios (Vida e doutrina dos
filósofos ilustres) e, bem mais tarde, já na Patrística, Santo Agostinho (Contra os Acadêmicos).
Não tendo Pirro de Élis escrito nada,
para conhecer seu pensamento, recomenda-se
recorrer à pensadores cujo testemunho sejam confiáveis. Atistóteles é um deles.
Tornou-se clássico o que diz Aristóteles sobre o ceticismo de Pirro: “Pirro de
Élis não deixou nenhum escrito, mas seu discípulo Tímon diz que aquele que quer
ser feliz deve considerar estes três pontos: em primeiro lugar, o que são as
coisas sem si mesmas? Depois, que disposições
devemos ter em relação a elas? Finalmente, o que nos resultará dessas
disposições? As coisas não tem diferença,
entre si, e são igualmente incertas e indiscerníveis. Por isso, nossas sensações e nossos juízos não nos
ensinam o verdadeiro nem o falso. Por conseguinte, não devemos nos fiar nem nos
sentidos nem na razão, mas permanecer sem opinião, sem nos inclinarmos
para um lado ou para o outro, impassíveis. Qualquer
que seja a coisa de que se trata,
diremos que não se deve mais afirmá-la
do que negá-la, ou que se deve afirmá-la e negá-la ao mesmo tempo, ou que não
se deve nem afirmá-la nem negá-la. Se estivermos dispostos a isso”, diz Timon,
“alcançamos primeiro a afasia, em
seguida a ataraxia”[10].
Ao
fim e ao cabo, o ceticismo em geral, o pirronismo em particular, diante da
impossibilidade de o homem conhecer a verdade das coisas, sendo estas incognoscíveis à razão, o homem deve evitar
emitir qualquer juízo, fazendo como que uma suspensão de juízo (uma epoché), tal atitude o levaria a
conquistar um estado de ataraxia, que
nada mais é do que a presença de uma certa felicidade produzida pela ausência
de perturbações do Espírito. Neste território, não é possível a conquista de um
único conhecimento verdadeiro sobre coisa alguma. A razão perde sua autoridade
de distinguir entre o verdadeiro e o falso, entre a episteme e a doxa. Tudo
se equivale, não importa o campo do conhecimento, o homem está condenado a
trafegar sempre no campo das opiniões, sem nenhum critério, através do qual
possa fundar um único saber verdadeiro.
O ceticismo,
que renasce no final da Idade Média, tem como seus mais ilustres representantes:
Agrippa (1485-1535), Sanchez (1523-1601), Charron (1541-1603) e Montaigne
(1533-1592), para nos manter no território demarcado pelos séculos XVI e XVII.
Mantendo suas diferenças, trazendo em sua algibeira o ceticismo grego, têm uma
orientação comum: negar não só as verdades das filosofias dogmáticas, como
também negar a própria possibilidade de se conhecer a verdade sobre qualquer
coisa.
Entre esses herdeiros do ceticismo grego, Montaigne se
destaca, tornando-se o filósofo que, através de Sexto Empírico, incorporou o
ceticismo da tradição aos seus Ensaios.
Ao modo dos céticos antigos, opondo-se aos filósofos dogmáticos, cuidadores e
defensores de verdades autoritárias e de certezas absolutas, Montaigne retira
dos filósofos e, por extensão, da razão humana, qualquer autoridade que possa
validar o conhecimento humano.
“O
homem é capaz de tudo e de nada. Se confessa como Teofrasto, sua ignorância,
das causas primeiras e dos princípios, que renuncie à ciência, pois, em lhe
faltando a base, seu raciocínio ruirá por terra. Discutir e investigar não tem
outro objetivo senão os princípios; se não os atinge, tudo redunda em
incerteza: ‘uma coisa não pode ser mais compreendida do que outra, porque a
compreensão é uma só para todos.’ (Cícero). Se a alma tivesse conhecimento de
alguma coisa, é provável que seria primeiramente dela mesma; se conhecesse algo
exterior a ela, seria antes de tudo seu corpo, seu estojo; e, no entanto, até
agora os deuses da medicina ainda lhe discutem a anatomia. [...] Até quando
deveremos esperar que se ponham de acordo! Estamos mais próximo de nós que a
brancura da neve ou o peso da pedra; se o homem não se conhece a si mesmo, como
poderá conhecer sua força e porque se encontra na terra? É por acaso que temos
alguma noção da verdade, e como é igualmente por acaso que o erro penetra nossa
alma, não somos capazes de distinguir o
certo do errado, nem escolher entre um e outro”[11].
A
conquista da verdade, a nenhum homem pertence. A verdade é uma propriedade da
“divina majestade”. A razão, em nenhum momento lhe dá acesso. A fé é o
único caminho através do qual o homem
pode ter acesso à verdade, aquela que Deus lhe revela. O ceticismo de Montaigne torna-se, por um
lado, uma arma de combate contra a pretensão do homem de tornar-se, através da
razão natural, o senhor da verdade, por outro, coloca-se em defesa das verdades
reveladas, aquelas que demarcam o território da religião. Para Montaigne, só
por puro orgulho, vaidade ou loucura,
pode o homem, através do raciocínio, requerer para si a tutoria da verdade. É
exatamente, essa prepotência do homem que deve ser combatida, o homem deve ser
humilhado, destituído de tal arrogância, deve-se colocá-lo no seu devido lugar,
em sua nulidade absoluta.
“O
meio que emprego para rebater essa objeção – e que me parece a mais adequada –
é o de humilhar e espezinhar o orgulho e a arrogância do homem; o de lhe fazer
sentir sua inanidade, sua vaidade, seu vazio; de lhe arrancar das mãos as armas
mesquinhas que lhe fornece a razão; de o forçar a inclinar-se e beijar o chão
ante a autoridade e imponência da divina majestade. Só a esta pertencem a
ciência e a sabedoria; só ela pode avaliar sozinha alguma coisa e dela tirarmos
aquilo com que nos enfeitamos e tanto prezamos em nós”[12].
Diante
de tal constatação, Montaigne, depois de fazer um breve retrospecto histórico,
demonstrando como as novas verdades se afirmaram sob as antigas, que um dia tiveram sua epifania
comemorada como verdades definitivas, verdades absolutas, pergunta, se as
conquistas de hoje não serão negadas pelas novas conquistas futuras? Na impossibilidade de se obter qualquer
certeza, inclusive sobre essa afirmação, pergunta Montaigne: não seria melhor
agir como os céticos, fazer uma suspensão de juízo, recusar-se a fazer
profissão de fé sobre qualquer conquista da razão? Tal atitude já demarca o seu território
cético em relação às conquistas do espírito humano:
“O
céu e as estrelas foram durante três mil anos considerados em movimento. Todos
acreditaram, até que Cleantes de Samos, ou segundo Teofrasto, Nicetos de
Siracusa, se lembrou de sustentar que a terra é que girava em torno de seu
eixo, segundo um círculo oblíquo do zodíaco; e em nosso tempo Copérnico
demonstrou tão bem esse princípio, que dele se vale em seus cálculos
astronômicos... Temos, portanto, quando se apresenta uma nova doutrina, razões
de sobra para desconfiar e lembrar que antes prevalecia a doutrina oposta.
Assim como esta foi derrubada pela recente, no futuro uma terceira substituirá
provavelmente a segunda. Antes que os princípios de Aristóteles tenham tido
crédito, outros existiram que também davam satisfação à razão humana. Que carta
de recomendação trazem os últimos? Que privilégio especial lhes garante que ao
menos nossas investigações os preservarão eternamente? Afirmaram-me que em
geometria (ciência que pretende ter alcançado o mais alto grau de exatidão) há
demonstrações incontestáveis que contradizem tudo o que a experiência declara
verdadeiro ... há mil anos, fora agir
como os pirrônicos pôr em dúvida o que então ensinava a cosmografia e as
opiniões aceitas por todos; referir-se à existência de antípodas era heresia, e
eis que neste século se descobre um continente de enorme extensão... (e, de
maneira declaradamente cética, conclui):
... Pergunto então se, visto que Ptolomeu se enganou outrora acerca do
que constituía o ponto de partida de seu raciocínio, não seria tolice acreditar
hoje resolutamente nas ideias de seus sucessores, e se não é provável que esse
grande corpo denominado o “mundo” seja bem diferente do que julgamos?”[13].
Natural
que sendo Descartes um pensador profundamente comprometido com a ordem
intelectual de seu tempo, tenha convivido, de forma direta, com esse espírito
cético dominante neste período. Mas, diferente do esperado, posiciona-se, em
relação ao seu tempo e ao que o precedeu, com absoluta autonomia, com um distanciamento
crítico, informando sua independência a qualquer pensamento que não tenha sido
originado na autonomia da singularidade do cogito.
Esta é a sua morada, seu território cognitivo, único lugar onde se sente seguro
ao habitar. “Nasci, confesso-o, com um espírito tal que o maior prazer dos
estudos para mim sempre consistiu, não em ouvir as razões dos outros, mas em
fazer o esforço eu mesmo para
descobri-las”[14].
Filosofa como se antes dele ninguém o tivesse feito[15]. “Ora, desde sempre houve
grandes homens que buscaram encontrar [...] as primeiras causas e os
verdadeiros Princípios de que se pudessem deduzir as razões de tudo o que somos
capazes de saber; e são particularmente aqueles que trabalharam nisso que foram
chamados de Filósofos. Todavia, que eu
saiba ninguém até o presente teve sucesso nesse intento”[16]. Só para efeito de ilustração, vale a pena ver
como Descartes, na Carta Prefácio dos
Princípios da Filosofia, depois de destituir Platão e Aristóteles de terem
filosofado de verdade, demarca o seu território como aquele a partir do qual a
verdadeira filosofia aparece no mundo. “Os primeiros e principais de que
temos os escritos são Platão e
Aristóteles, entre os quais não houve outra diferença senão que o primeiro,
seguindo as pegadas de seu mestre Sócrates, ingenuamente confessou que nada
procurava encontrar de certo, e contentou-se em
escrever coisas que lhe pareceram ser verossimilhantes, imaginando para
tal feito alguns Princípios com os quais buscava explicar as outras coisas; ao
passo que Aristóteles teve menos franqueza e, se bem que tivesse sido por vinte
anos discípulo daquele e não tivesse
outros princípios senão os dele, mudou inteiramente a forma de
enunciá-los e os propôs como verdadeiros e seguros, embora não haja nenhum
sinal de que os tenha alguma vez
estimado como tais”[17]. Não menos crítico é Descartes ao se referir à
escolástica medieval[18]: “... a maioria
daqueles que nestes últimos séculos
quiseram ser filósofos seguiram cegamente Aristóteles, de forma que freqüentemente corromperam o sentido de seus
escritos, atribuindo-lhe diversas opiniões que ele não reconheceria como suas se retornasse a este mundo (...)”[19]. Mesmo aqueles que,
segundo Descartes, não seguiu a filosofia de Aristóteles, “dentre os quais
estiveram vários dos melhores espíritos”, não obtiveram qualquer êxito no filosofar,
pois não puderam se livrar da influência de Aristóteles, “já que [as opiniões
deste] são as únicas ensinadas nas escolas”[20]. Portanto, de forma
direta ou indireta, todos estão condenados à influência da filosofia de
Aristóteles e, como conseqüência, não foram capazes de chegar “ao conhecimento
dos verdadeiros princípios (...)”[21].
Esta
apreciação crítica que Descartes faz, não só da tradição filosófica, como
também de sua própria formação intelectual, seja a adquirida com a leitura dos
filósofos do passado, seja a recebida nos bancos escolares, serve para mostrar
seu ponto de partida. Pode se chamar esse ponto de partida de o marco zero do
conhecimento ou, como dirão mais tarde os empiristas, a página em branco do
conhecimento. É uma total suspensão dos conhecimentos adquiridos, uma
verdadeira epoché intelectual. É a
partir desse marco zero que Descartes enuncia os primeiros fundamentos ou os
primeiros princípios que fundamentarão todo o saber humano. “Ainda que todas as
verdades que ponho entre meus Princípios tenham sido conhecidas desde sempre
por todo o mundo, não houve todavia ninguém até o presente, que eu saiba, que
as tenha reconhecido como os Princípios da Filosofia, isto é, como tais que se
possa delas deduzir o conhecimento de todas as outras coisas que há no mundo”[22]
Depois
de ter feito seu enfrentamento conceitual com o passado, destituindo-o como
referência valida para ser pensar todas as coisas do mundo, Descartes volta-se
para o seu tempo, um tempo de
transição, de crise, um tempo cético,
bem diferente do tempo que o precedera,
onde a verdade existe e se afirma na mais absoluta independência do
sujeito pensante, cabendo a este, tomá-la como um pressuposto, como um dado
sobre o qual a razão natural não tem qualquer inferência. Descartes toma para
se a responsabilidade de superar a crise de seu tempo e, como um bom timoneiro,
indicar-lhe uma nova direção. Se o ceticismo torna-se a referência de um mundo
em crise, se se quiser superar a crise, é preciso enfrentar o ceticismo e, se
possível, vencê-lo. De certa forma, Descartes tem pleno conhecimento que o
progresso do conhecimento humano depende do resultado desse enfrentamento. A conquista da verdade, é, ao mesmo tempo, a conquista do homem e, como conseqüência, a
conquista do mundo.
É
possível dizer que, num primeiro momento, Descartes encontra-se profundamente
influenciado pelos céticos[23], reconhecendo neste
território o lugar adequado para lançar as bases daquilo que será, mais tarde,
identificada como a Razão Moderna. Em seus
livros: Discurso do Método, Primeira
Parte, nas Meditações - Primeira
Meditação, intitulado: “Das coisas que se podem colocar em dúvida”,
Descartes, ao modo dos céticos, faz sua suspensão de juízo:
“Há
já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera
muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei
em princípios tão mal assegurados, não podia ser senão mui duvidoso e incerto;
de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida,
desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo
novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de
constante nas ciências”[24].
A
dúvida é, assim, uma preparação do espírito para o conhecimento da verdade Se
tomássemos essas palavras de Descartes como conclusivas, facilmente o
identificaríamos como um cético clássico
ou moderno, herdeiro de Pirro ou Montaigne. Mas, distintamente dos céticos, que
duvidam por duvidar, a dúvida cartesiana vai além desse primeiro momento, ela
transforma-se em método, em caminho que a razão deve percorrer até encontrar
uma verdade com força suficiente para eliminar a própria dúvida. Na Terceira Parte do Discurso do Método, Descartes pontua, com bastante precisão, o que
o distancia dos céticos: “Não que
imitasse, para tanto os céticos, que duvidam apenas por duvidar e afetam ser
sempre irresolutos: pois, ao contrário, todo o meu intuito tendia tão somente a
me certificar, e remover a terra movediça e a areia, para encontrar a rocha ou
a argila”. Respondendo a uma crítica feita por Gassendi - Meditações, resposta do autor às Quintas Objeções -, segundo a qual
a dúvida não basta para o conhecimento da verdade, o meditador diz em que
sentido ele faz uso da dúvida: “...embora seja verdadeiro que a dúvida apenas
não basta para estabelecer qualquer verdade, ela não deixa de ser útil para preparar o espírito a estabelecê-la
após, e é somente nisto que eu a empreguei”[25].
Descartes
sabe muito bem o perigo que o pensamento cético representa para a própria
possibilidade do progresso do conhecimento humano. Aqueles que mergulham nas
águas profundas do ceticismo jamais alcança um solo firme para tomá-lo
como base de sustentação, que possibilite construir um conhecimento claro e
distinto sobre qualquer coisa. No limite, o ceticismo acaba sendo um fundo sem
fundo, um fundo que jamais pode ser alcançado, o que implica na própria impossibilidade
de se construir qualquer saber verdadeiro[26]. A vitória do ceticismo
imporia, necessariamente, a derrota da razão[27]. Descartes tem plena
consciência desse perigo e não economiza esforços para evitá-lo. Depois de
Descartes, o ceticismo radical perdeu suas forças, já não pôde ser levado a
sério. Com Descartes, o ceticismo torna-se método. Torna-se critério de
verificação da validade do conhecimento humano. Se para os céticos, a dúvida é
um estado natural do próprio pensamento, para Descartes, a dúvida é só um
método, uma arma da qual todo homem, “dotado de bom senso”, deve usar para
guerrear contra os preconceitos e os prejuízos do espírito[28]. É o meio através do qual
o homem, libertando-se das representações derivadas do mundo físico, do qual
era prisioneiro, volta-se para
contemplar o sol da razão natural. Contra a dúvida cética, a dúvida
metódica. Se alguém quer duvidar, então,
que a dúvida seja exercida de forma radical, que não se duvide por duvidar, que
se duvide com uma verdadeira intenção: encontrar uma base segura sobre a qual
possa se erguer toda a ordem do saber, sem que a dúvida possa alcançá-la[29]. A dúvida cartesiana
anseia por seu próprio fim. Sua
caminhada é longa; percurso que é, ao mesmo tempo, sua afirmação e a preparação
para a sua consumação. Quanto mais a
dúvida se apresenta fortalecida, mais próxima encontra-se de sua derrocada; seu
fortalecimento é, simultaneamente, a aproximação de sua ruína. A vitória da
razão, a conquista da primeira verdade, implica, necessariamente, na derrota da
dúvida. Por isso, esta tem que ser exercida plenamente, de forma radical e
absoluta, sem que nenhuma concessão lhe seja feita. Nada, absolutamente nada,
seja Deus, o homem ou o mundo, encontra-se fora de seu alcance. Só assim, aquilo que a ela sobreviver poderá
afirmar-se como verdade indubitável, verdade absolutamente verdadeira, sobre a
qual a dúvida não tem mais nenhuma gerência. Isso é possível? A priori, não é possível responder a essa
pergunta; não é possível saber se alguma verdade sobreviverá à dúvida. Essa é
uma resposta que só se obtém no próprio exercício da dúvida, no próprio exercício
do método. A superação da dúvida, e como conseqüência, a conquista da verdade,
não é tarefa fácil, é uma caminhada arriscada, profundamente perigosa, pois
corre-se o risco de nela se perder ou se abandonar a caminhada; diante dos
perigos que oferece, prefere-se, muitas
vezes, voltar atrás, retroceder,
instalar-se na “segurança” das antigas opiniões, crenças ou ilusões[30]. Mas, aí, jamais se faria
ciência, jamais haveria progresso do conhecimento humano. Por isso, se se
quiser, verdadeiramente, conhecer a verdade, tem-se que correr o risco de
exercitar o método da dúvida até o limite que a própria dúvida impõe e não
apenas até o limite do desejo ou estado de espírito do sujeito que duvida. A
caminhada da dúvida não pode ser interrompida, ela tem que ir até o fim,
esgotando todas suas forças e
possibilidades. Entretanto, é preciso insistir, em nenhum momento essa dúvida é
um estado natural do espírito, ao contrário, ele é uma dúvida exercida pelo
sujeito que dúvida, uma dúvida sobre a qual este sujeito tem pleno domínio e,
portanto, exerce-a e não a sofre. Isso não altera a radicalidade da
dúvida, ao contrário, só a reforça. Pois se ela é uma dúvida metódica, não pode
ser exercida por meio de um acordo com a razão, ou no limite dos interesses
daquele que duvida; pelo contrário, sendo metódica, tem que exercer-se
livremente, não deixar escapar nada, exaurir todos os seus limites e
possibilidades. É da morte da dúvida que nasce a primeira verdade no espírito
do homem. É o que busca Descartes, ao exercitar a dúvida de forma tão radical e
profunda: encontrar uma verdade tão
certa, tão indubitável que “todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de
a abalar”.
Na
busca de um “ponto fixo e seguro” para ancorar a razão, que lhe garanta, a partir
dele, fundamentar toda a ordem da razão,
Descartes irá supor como falso, de forma radical e absoluta, o conteúdo
de verdade de todas as suas representações, tomá-lo como absolutamente falso e,
assim, desinstalado de qualquer verdade e, instalado numa dúvida universal,
reiniciar a caminhada na busca do verdadeiro saber.
“Suponho,
portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado-me de que nada
jamais existiu de tudo quanto minha
memória referta de mentiras me
apresenta; penso não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a
extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu espírito. O que
poderá, pois, ser verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há
no mundo de certo[31].”
A
partir daí, Descartes irá questionar, não mais a dúvida em si, essa já atingiu
o seu próprio limite, mas aquele que duvida; irá questionar o próprio sujeito
que duvida, para saber se ele, enquanto sujeito que duvida, também sucumbe à
dúvida.
“Mas eu me
persuadi também de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma
terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; não me persuadi também, portanto,
de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me
persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual,
enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em
enganar-me sempre. Não há pois dúvida
alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá
jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De
sorte que, após ter pensado bastaste nisto e de ter examinado cuidadosamente
todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta
pro-posição, eu sou, eu existo, é
necessariamente verdadeira, todas as vezes que eu a anuncio ou que eu a concebo
em meu espírito[32].”
Descartes
acaba de encontrar uma verdade sobre a qual não é possível qualquer dúvida, uma
verdade que se afirma com um conteúdo de verdade tão resistente, tão
indubitável que, mesmo que ele se enganasse, ou mesmo que um gênio enganador o
enganasse ou desejasse enganá-lo, mesmo
assim essa verdade persistiria, sobreviveria à dúvida.
Essa
verdade, “eu sou, eu existo”, é a condição da própria dúvida, ou
seja, a dúvida só existe enquanto existe um sujeito que a exerce; não posso
duvidar, por uma impossibilidade lógica, de que existe um sujeito que duvida,
quando este, de fato, está exercitando a dúvida. A prova da existência do
sujeito está na existência da própria dúvida. O pensamento afirma a identidade
existencial do sujeito que duvida. A existência da dúvida, que é uma modalidade
do pensamento, é a prova cabal da existência do sujeito que a exerce. O sujeito
que duvida existe, caso não existisse, sequer a dúvida seria possível.
A
conquista do cogito, primeira verdade
indubitável, sobre a qual será deduzido a
verdade de todas as outras coisas, afirma, ao mesmo tempo, a vitória da razão e
a derrota do ceticismo. O embate chega ao fim. Depois de uma longa caminhada,
depois de ter atravessado mares revoltos, Descartes pisa em terra firme[33], encontrou o ponto
arquimediano que buscava para fixar a alavanca do conhecimento[34], pode, finalmente,
anunciar ao mundo uma nova filosofia, toda ela fundamentada e garantida na autonomia do cogito. A verdade subjetivou-se, veio para o domínio do espírito, perdeu
sua autonomia em relação ao sujeito, sobre ela o homem é o senhor absoluto,
torna-se o único ser responsável pelo
seu aparecimento no mundo.
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HEGEL, G. Licciones
sobre la historia de la filosofia. Tomo III, trad: Wencelao Roces. México:
Fundo de Cultura Económica. 1955
·
KOYRÉ, A. Considerações
sobre Descartes, Lisboa: Edityora Presença. 1992
·
LENOBLE, R. História
da ideia de natureza. Lisboa: Edições 70. 2002
MONTAIGNE,
M. Ensaios II. São Paulo: Nova
cultural. 1987
·
PASCAL.
B. Pensamentos. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Coçtural. 1988
·
POPKIN,
R. História do Ceticismo P. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 2000
[1] Prof. Dr. Joceval Andrade
Bitencourt, prof. Adjunto da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
[2] Faz-se necessário esclarecer
alguns critérios usados na escolha das
obras e edições (de Descartes e de seus intérpretes). Neste artigo, no que se
refere às notas sobre as obras de Descartes, em língua portuguesa, recorremos,
sempre que possível, à Ed.: Obras
Escolhidas, onde se encontra: Discurso
do Método, Meditações, Objeções e Respostas, As Paixões da Alma e algumas Cartas. Com
Introdução de Gilles-Gaston Granger, Prefácio e notas de Gérrad Lebrun e
tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior, tendo como editora a Difusão
Europeia de Livros. Não existindo tradução para o português, optamos por usar,
preferencialmente as edições francesas.
[3] “A filosofia
encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos
olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a
língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em linguagem
matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras
geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem
elas nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto”. Galileu, O Ensaiador, p. 21
[4]
Apud, LENOBLE, R. História da idéia de
natureza, p. 263.
[5] “O
silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora”. PASCAL, B. Pensamentos, frag. 206, Col. Os pensadores, p. 91.
[6]
DONNE, J. An anatomy of the world. Apud, DOMINGUES, I. O grau zero do conhecimento, p. 34.
[7] “O movimento pirrônico atribui seu
próprio começo à figura lendária de Pirro de Elis, que viveu de c. 360 a 275 a .C. e a seu discípulo
Tímon, que viveu de c. 315 a
225 a .C.
As histórias acerca de Pirro que chegaram até nós revelam que ele não era um
teórico, mas ao contrário, o exemplo vivo e completo de alguém que punha tudo
em dúvida, um homem que não aceitava se comprometer com nenhum juízo que fosse
além de como as coisas pareciam ser. Seus interesses parecem ter sido
predominantemente éticos e morais, e nesta área ele buscava evitar a
infelicidade que poderia ser conseqüência das teorias sobre valores, evitando
basear seus juízos nelas. Se estas teorias sobre valores fossem de algum modo
sujeitas a dúvidas, aceitá-las e usá-las poderia apenas levar-nos à angústia
mental”. POPKIN, R. História
do ceticismo – de Erasmo a Spinoza,
p. 15.
[8] Cf. Alq., II, p. 1059/60; AT. VII,
p. 548/49
[9] “... a filosofia de Pirro na
verdade não deriva de nenhuma filosofia anterior: é uma doutrina original” “Os
céticos antigos reconhecem expressamente Pirro como mestre e sua doutrina
conservou entre os modernos o nome de pirronismo”.
Brochard, Victor. Os Céticos Gregos, p. 65
[10] Victor
Brochard, Os Céticos Gregos, p. 68
[11] Montaigne, M., Ensaios II, cap. XII, p. 259-260.
[12] Idem, ibidem, p. 209
[13] Idem, ibidem, 264-265
[14] DESCARTES, R. Regas para a orientação...,
reg. X, p. 61. Nesta mesma regra, continua Descartes: “...ainda jovem, ao
estudo das ciências, toda vez que o título de um livro prometia-me uma nova
descoberta, antes de levar mais adiante
a minha leitura, tentava se, mediante uma sagacidade inata, eu não
conseguiria por acaso chegar a igual resultado e evitava ciosamente privar-me
desse prazer inocente com uma leitura
apressada”. Idem, Ibidem.
[15] Gilson, Etienne. O Filosofo e a teologia, p. 96
[16]
DESCARTES, R. Carta-prefácio..., p.
9, (grifo nosso).
[17]
Idem, p. 9-10.
[18]
“Às portas do século XIII, um fato novo se produz na história das escolas: a
emergência de uma instituição – a Universidade – na qual mestres eclesiásticos
especialistas da cultura se associam para formar um corpo profissional segundo
o modelo das corporações de ofício. Consagrado pelo papa, esse corpo é
englobado pela Igreja a título de instituição autônoma que, subtraída à
jurisdição dos bispos e dos senhores, está submetida unicamente ao poder
pontifício e a seu controle doutrinário. Essa nova instituição desenvolve-se de
início em Paris e em Oxford (o studium de Bolonha é um caso à parte) e não é
separável da emergência da cultura – fortemente organizada e privilegiada de
maneira exclusiva – que chamamos ‘escolástica’”. GOFF, J. le.; SCHMITTA, J.-C. Dicionário – temático e técnico – Medieval.
v. I, verbete: escolástica, p. 367.
[19]
DESCARTES, R. Carta-Prefácio..., p.
12.
[20]
Idem, ibidem.
[21]
Idem, ibidem.
[23] Gilson indicou que Descartes tomou
de empréstimo idéias de Montaigne e de Charron; Brunschvicg mostrou que alguns
elementos do pensamento cartesisno podem ser mais bem entendidos em comparação
com os pontos de vista da Apologia de
Raimond Sebond. Mas, à exceção dos estudos recentes de Dambsska e de Gouhier, há poucos trabalhos tratando da
relação entre o pensamento de Descartes e o de seus contemporâneos pirrônicos.
Richard Popkin, História do Ceticismo – de Erasmo a Espinosa. P. 271/272. Gilson, pontua a influência de Montaigne
sobre o pensamento de Descartes. “É certo que, enquanto me limitei a considerar os costumes dos outro
homens, quase nada encontrei que me desse segurança, notei neles quase tanta diversidade como a que antes
encontrara entre as opiniões dos filósofos”.
“Desenvolvimento que se inspira em
Montaigne, Essais. I, XXI, Des cannibles; I, XXIII, Dela coutume; I, XLIX, Des coutumes anciennes; II, XII, Apologie de R. Sebond”, Nota 76, Étienne
Gilson, comentários feito no Discurso do Método, Primeira Parte.
[24] DESCARTES, Meditações, Primeira
Meditação, p. 117
[25]DESCARTES, R. formuladas pelo Senhor Gassendi, Meditações, resposta do autor às Quintas
Objeções, p. 286.
[26] DESCARTES, R. La Recherche de la Vérité,
Alq., II, p. 1120; AT., X, p. 512. Essa mesma imagem, usada para identificar o
estado de dúvida de Sócrates e dos Pirrônicos, Descartes usa, no início da sua Segunda Meditação, para identificar o
estado de dúvida e incerteza em que ele se encontrava ao final da sua Perimeira Meditação. “A Meditação que fiz ontem encheu-me o
espírito de tantas dúvidas, que
doravante não está mais em meu alcance
esquecê-las.... como se de súbito tivesse
caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem
firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona”. DESCARTES, R. Meditações,
p. 124.
[27] Em carta de Março de 1638, sem
identificação do destinatário, Descartes diz que o fato de os pirrônicos não
concluírem nada de certo, não quer dizer que ele não conseguirá. Cf. AT, v. II,
p. 38
[28] “Non seulement la fin du
doute cartésien diffère de la fin du doute des sceptiques, mais encore sa
méthode n’est pas la même que la leur. La critique des sceptiques ne tend,
selon la parole de Montaigne, qu’à ‘vérifier l’ignorance’; elle part donc du
probable et douteux pour nous conduire à d’autres probables qui lui font
équilibre. La critique cartésienne tend, au contraire, à vérifier la vérité;
elle ne part donc du douteux et probable que
pour l’éliminer, et elle l’élimine en lui opposant du certain, qu’il
s’agisse de la certitude de sa vérité ou de la certitude de sa fausseté, car cette dernière certitude est
encore une vérité. On peut donc dire que le scepticisme pur viserait à
entretenir le doute comme l’état normal de la pensée, au lieu que Descartes ne
le considère que comme une maladie dont il entreprend de nous guérir”. GILSON,
É. Texte e commentaire, In: DESCARTES, R.
Discours de la méthode, p. 269.
[29] “O céptico será
vencido pelas suas próprias armas. Duvida... Pois bem! Vamos ensinar-lhe a
duvidar. A nossa dúvida não será um estado
– estado de uma incerteza negligente -, será uma ação livre, voluntária, e
que levaremos às últimas conseqüências. Dúvida-estado, dúvida-acção: a
ruptura é profunda. E, no fundo, a vitória – em princípio – está já alcançada.
Porque a dúvida, o céptico e Montaigne sofrem-na. Descartes exerce-a. Ao
exercê-la livremente, dominou-a. E
assim se libertou dela”. KOYRÉ, A. Considerações
sobre Descartes, p. 36.
[30] “Mas esse desígnio é árduo e
trabalhoso e certa preguiça arrasta-me insensivelmente para o ritmo de minha
vida ordinária. E, assim como um escravo que gozava de uma liberdade
imaginária, quando começa a suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho,
teme ser despertado e conspira com essas ilusões agradáveis para ser mais
longamente enganado...”. DESCARTES, R. Meditações,
p. 123.
[32] Idem, Ibidem, p. 126
[33] “Con Cartesio
entramos, en rigor, desde la escuela neoplatónica y lo que guarda relación con
ella, en una filosofía propia e independiente, que sabe que procede
sustantivamente de la razión y que la conciencia de sí es un momento esencial
de la verdad. Esta filosofía erigida sobre bases propias y peculiares abandona
totalmente el terreno de la teología filosofante, por lo menos en cuanto al
principio, para situarse del otro lado. Aquí, ya podemos sentirnos en nuestra
casa y gritar, al fin, como el navegante después de una larga y azarosa
travesía por turbulentos mares: terra!”
Hegel, Lições sobre la historia de la
filosofia, p.252
[34] “Arquimedes, para tirar o globo
terrestre de seu lugar e transportá-lo para outra parte, não pedia nada
mais exceto um ponto que fosse fixo e
seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for bastante
feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável”. Meditações, Segunda Meditação, p. 124
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