O PÃO NOSSO DE CADA DIA
novembro 23, 2024Prof. Dr. Joceval Bitencourt
O PÃO NOSSO DE CADA DIA
Todo
trabalho do homem é para sua boca... (Eclesiastes – VI:7)
A
culinária é um espetáculo cultural. Brincando com os temperos, misturando
ingredientes e sensações distintas, em busca de um sabor que agrade ao paladar,
o povo vai construindo a sua memória, fincando raízes do seu pertencimento,
formando sua identidade e indicando as suas formas de se relacionar com o
mundo.
É possível
estudar um povo, a sua cultura, suas crenças, seu comportamento, inclusive a
sua moral, através dos modos como ele se relaciona com os elementos que compõem
a sua alimentação. Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és. “O caráter de uma
raça pode ser deduzido simplesmente do seu método de assar a carne. Um lombo de
vaca preparado em Portugal, em França, ou Inglaterra, faz compreender talvez
melhor as diferenças intelectuais destes três povos do que o estudo das suas
literaturas” (Eça de Queiroz). Segundo Lévi-Strauss, o alimento vai além da
função de manter um corpo vivo, ele serve para pensar. Em seu livro Mitológicas, o
pensador estruturalista recorre aos alimentos, bem como suas formas de preparos,
para analisar e entender as diversas manifestações da cultura indígena. Ou como
diz Fernando Pessoa em Tabacaria: “Olha que as religiões todas não
ensinam mais que a confeitaria. (F. Pessoa).
Em A República, Platão, ao
imaginar uma cidade governada por filósofos, buscou — como sempre pretende a
razão — atender a todas as demandas da organização social, inclusive orientando
os habitantes de sua cidade ideal sobre a escolha dos alimentos e as formas de
prepará-los. “Alimentar-se-ão de farinha de cevada ou de trigo, por eles mesmos
amassada ou assada, para o preparo de pães e bolos saborosos, que serão
servidos em esteiras ou em folhas limpas [...] sal, azeitonas e queijo, bem
como de cebolas e legumes, que é o que comem no campo e eles terão também de
prepará-los. Até sobremesa lhe daremos: figos, ervilhas e favas, e também bagas
de mirto e castanhas, que assarão no borralho [brasa], com acompanhamento
moderado de vinho. Passando dessa maneira a existência, em paz e com saúde,
chegarão à velhice como é de esperar, e transmitirão o mesmo modo de vida a
seus descendentes (Platão. República. 372a-d).
Não se pode negar, Platão demonstrava
ter bom gosto alimentar; certamente, qualquer pessoa, dotado de bom senso, com
um certo refinamento no paladar, não se negaria a participar desse banquete dos
deuses.
Cobiçando o banquete de Platão,
lembrei-me de um diálogo entre os filósofos Bertrand Russell e Jean Nicod.
Russell disse a J. Nicod que as pessoas que estudam filosofia deveriam buscar compreender
o mundo e não os delírios das ideias – em seus respectivos sistemas -, como
ensinadas nas universidades. “Sim, respondeu Nicod, “mas os sistemas são muito
mais interessantes do que o mundo”. E não é verdade?!
Facilmente
agregam-se aos alimentos valores,
tornando-os mais que um simples alimento, mas, um bem cultural, sobre o qual,
por identificar uma sociedade, não importando se uma pequena região geográfica
ou um país, incorpora-se um culto, uma devoção, no limite, uma verdadeira
paixão.
Na festa
das paixões, a razão não é convidada. Perde tempo quem queira encontrar, no
terreno pantanoso das paixões, argumentos lógicos, verdades comprovadas, ou
justificativas chancelada pela bitola da ciência. Não irá encontrar, pois esse
não é o seu lugar.
Em oposição à episteme -
território seguro e certo, onde se assentam as verdades claras e distintas -, o
território da doxa se insere no campo das opiniões, do achismo e do
relativismo exagerado. Nela, cada indivíduo, prisioneiro de sua própria gaiola
de certezas, afirma 'suas verdades' como se fossem supremas.
A culinária é um campo fértil para
a manifestação das paixões. Nenhuma comida é melhor do que aquela do seu país,
da sua região, preparada pela melhor cozinheira do mundo: sua mãe. Com o passar
dos anos, carregamos na memória sensorial os aromas e sabores dos alimentos da
infância.
Não abandona a minha memória o
'cortadinho de abóbora com carne-seca' que minha mãe preparava quando eu era
criança. Segui pela vida, em vão, farejando aquele aroma que tanto alegrava
minha alma infantil.
Na arte de
fazer “cortadinho de abóbora, com carne-seca”, minha mãe tornou-se invencível.
todos que tentaram assumir o seu altar, fracassaram.
Ao passado alimentar, rende-se
reverência e devoção; ele se torna um território sagrado. Ninguém, por mais
criativo que seja na arte de brincar com os temperos, jamais alcançará a
perfeição do alimento que conquistou minha devoção.
Assim como um crente defende sua
igreja e um torcedor defende seu time preferido, o homem, com a mesma fé,
defende o alimento que representa sua cultura. Em geral, quando nossas escolhas
são prisioneiras de nossas paixões, o adjetivo 'melhor' torna-se o seu
identificador. Contudo, vale uma observação: esse adjetivo de superioridade
sempre se encontra do meu lado, enquanto, do lado oposto, está meu opositor -
um sujeito, quase sempre desprovido de bom senso, com um paladar duvidoso ou
pouco refinado. Assim, o 'melhor' é
sempre aquilo que ele escolhe, aquilo que está inscrito nos limites de seus
afetos afirmativos. O seu Deus é o “melhor”, o seu time de futebol é o
“melhor”, a sua culinária é a “melhor”... Colocar sob suspeita esse adjetivo é
correr risco de vida.
A
verdadeira “moqueca” é a baiana; a moqueca capixaba, segundo ele, não é
moqueca, não passa de um “caldo” ou “ensopado de peixe”. Essa é a opinião de um
baiano. Se for um capixaba a falar, certamente os valores se invertem: a
moqueca baiana é destronada, transformando-se em uma falsa moqueca ou uma
simples peixada.
Lembrei-me
de um conhecido, carioca raiz, desses que contemplam e avaliam o mundo pela
bitola de sua terra natal. Apaixonado pelo “biscoito Globo”, ele vocifera,
perde completamente o bom senso, quando alguém ousa dizer que, além do Rio de
Janeiro, em outras regiões do país, esse tipo de biscoito de polvilho - mesmo
tendo outros nomes - é bastante comum. Enraivecido com tal constatação, e não
podendo negar os fatos, luta para não perder o território de sua verdade.
Imediatamente, busca restaurar a superioridade de sua paixão. De arma em punho,
encara o seu detrator e diz: “Pode até ser que exista por aí algo parecido com
o biscoito de polvilho, mas, com absoluta certeza, o verdadeiro e melhor
biscoito de polvilho do mundo, que o carioca tanto ama, é o Globo, fabricado no
Rio de Janeiro, servido em suas praias, acompanhado de um bom chá-mate gelado.”
Seu opositor, diante de argumentos tão apaixonados, temendo pela própria vida,
renuncia à luta e deixa-se vencer.
O que vale
para fronteiras próximas vale para as mais distantes. O alimento do outro
parece estranho, porque, simplesmente não é o nosso, não faz parte de nossa
cultura. Assim, para um ocidental, sempre parecerá muito estanho a culinária da
Índia, e mais ainda a da China. Pergunta um ocidental: como alguém é capaz de consumir
aquelas estranhas iguarias? Em tempo da abonança, é possível que certas
perguntas façam sentido, mas elas desaparecem, quando a escassez, a fome se
alastra sobre uma determinada região ou povo. Nesses momentos, desaparece o
preconceito em relação à cultura alimentar. Come-se de tudo. A fome passa a
reger a escolha alimentar. Sócrates, acusado por um sofista de viver uma vida
miserável, inclusive descuidando de sua própria dieta, alimentando-se “das viandas mais
grosseiras”, responde ao seu acusador: “Achas minha vida miserável porque minha
alimentação é menos sã ou menos nutritiva que a tua? Porque meus alimentos
sejam menos difíceis de obter que os teus, os quais são mais raros e mais
delicados? Por que os manjares que preparas te saibam melhor ao paladar que os
meus a mim? Não sabes que quem come com apetite não tem necessidade de
condimento, que para quem bebe com prazer, fácil é prescindir da bebida que não
tem?” (Xenofonte – Memoráveis, I:VI).
O melhor menu
é ter à mesa “o pão nosso de cada dia”, não importando a sua natureza ou
procedência. Assim, aquilo que, a princípio, parece causar estranheza e repulsividade,
por sua excentricidade, ou mesmo por sua pobreza nutricional, sob certas
circunstâncias, passa a ter um valor especial, quase uma ambrosia dos deuses. “[...] Baleia trazia
entre os dentes um preá”, todos gritam de alegria. Não morreriam de fome
naquele dia. ‘Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho
estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo” (Graciliano
Ramos – Vidas secas). “Freitas via a mucunã por prisma
diferente. Tinha certeza de ser muito venenosa e, como tal, a maior assassina
que o Ceará tem tido, durante as secas; mas também sabia que a ação tóxica
podia ser modificada ou mesmo destruída, segundo o processo empregado na
extração da fécula. Preparada por mãos ignorantes, é sempre um veneno e nunca
um alimento. Convencido disso, dispõe a prepará-la com o máximo de escrúpulo – (Rodolfo
Teófilo – A fome). Diante da fome, a luta é pela
sobrevivência, não pela qualidade do alimento. “A fome contenta-se com pouco,
os paladares requintados é que tem grandes exigências. A pobreza limita-se a
satisfazer as necessidades mais prementes” (Sêneca – Carta a Lucílio).
A vida é um bem
natural, a base de todos os outros bens. Preservar esse bem é a luta maior do
homem.
De todos os monstros
que o ser humano precisa combater na busca pela preservação da vida, nenhum é
mais feio e perverso do que o monstro da fome. Ela tira do homem a dignidade,
desumaniza-o, definha seu corpo, resseca-lhe a alma, tornando-o, no limite do
ser, a expressão do nada. “Nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade
humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome.”
— Josué de Castro, Geografia da Fome.
A fome é o olhar da
morte vigiando o homem, do amanhecer ao anoitecer. É preciso vencê-la. É
preciso sobreviver.
Não há muito o que
escolher. Come-se, simplesmente — come-se, sem escolher o quê. A alma se alegra
diante de qualquer coisa que possa silenciar os gritos de um estômago vazio.
Diante da fome, o
homem se comporta como “um pássaro malvado” que existe lá no Sertão:
Carcará / Pega, mata e
come / [...] Carcará / Não vai morrer de fome... - João do Vale, “Carcará”
Entende-se o porquê de as circunstâncias
históricas, em seus mais diversos aspectos - culturais, geográficos,
climáticos, populacionais -, determinarem a escolha alimentar de cada povo.
Devido à imensa população da China, não há o
luxo de escolher o que se come; consome-se de tudo. Diz-se frequentemente que o
chinês não impõe restrições alimentares — tudo pode se transformar em comida,
desde que se mova, seja andando, voando, nadando...
Seguimos o mesmo caminho: ter pão para matar a
fome, independentemente de sua qualidade, já é uma grande celebração.
Quando o seu torrão
natal seca o seu ventre, não sendo mais capaz de gerar o alimento necessário ao
seu sustento e dos seus rebentos, quando o canto do acauã anuncia que a morte se aproxima, o homem parte, triste,
abandonando a sua terra natal, que ele tanto ama, e migra para outras bandas em
busca de vida. “Quando oiei a terra ardendo / Qual fogueira de São João / Eu
preguntei' a Deus do céu, uai / Por que tamanha judiação? [...] Que braseiro,
que fornaia / ‘Nenhum pé de prantação' / Por farta d'água perdi meu gado /
Morreu de sede meu alazão / [...] Inté mesmo a asa branca / Bateu asas do
sertão / Entonce eu disse: adeus, Rosinha
/ Guarda contigo meu coração / [...] Hoje longe, muitas légua / Numa
triste solidão / Espero a chuva cair de novo / Pra mim vortar pro meu sertão...”
(Luiz Gonzaga – Asa Branca – MPB.)
No último capítulo de Vidas
secas, A fuga, Graciliano Ramos narra a triste partida daqueles
retirantes em busca de vidas em terras desconhecidas... “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam
duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam
cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado
bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas
que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos
galhos pelados da catinga rala”. Enquanto caminham sobre a sua dor, sonham com
a terra prometida...“Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em
escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. [...] chegariam a uma terra
desconhecida e civilizada, [...] E o sertão mandaria para a cidade homens
fortes, brutos...”
É verdade: o sertanejo ‘é, antes
de tudo, um forte’, como disse Euclides da Cunha em Os Sertões, mas até
a força dos fortes tem limites.
Diante da insurreição da terra e
do prelúdio de sua desgraça, o homem enfraquece. Dobra-se, renuncia a si mesmo
e, vencido por um mundo que lhe diz não, entrega-se ao primeiro salvador que
lhe diga sim, oferecendo-lhe uma saída para o seu infortúnio. "O Senhor é
a minha força" (Salmos 28:7). Mas essa é uma luta inglória. Sua fé cega
não o salvará. Deus já o esqueceu. Sua devoção, encantada por suas orações, não
se converte em chuva, não fertiliza a terra, não tem o poder de fazer brotar,
daquela terra morta, o pão para matar a sua fome.
Sem saida, sem vida no mundo real, o homem agarra-se a
esperança de encontrar, num outro mundo que a supertição lhe oferece, um alívio
para as suas dores. De alma e corpo embrutecido pelas dores do mundo, ele, cego,
segue em procissão em direção ao grande banquete de ilusões que lhe é
preparado. “Venham, pois tudo já está pronto” (Lucas 14:15).
Amedrontados
pela sombra da morte, que os acompanha do amanhecer ao anoitecer, seguem o
canto das aves de rapina — guias sombrias de suas raquíticas almas — em direção
ao cruzeiro: um ponto elevado, geralmente um morro afastado da cidade, marcado
por uma cruz. Ali, rogam a São José, provedor de chuva e esperança, que tenha
clemência de sua miséria e lhes mande água.
“Meu divino São José / Aqui estou
em vossos pés / [...] Aqui estou em vossos pés / Nos dê chuva com abundância /
Meu Jesus de Nazaré / Meu divino São José / Pela cruz que trais na mão / Nem de
fome, nem de sede / Não mate seus filhos não / Quem fizer sua devoção / Tenha
fé no coração / Que numa hora pra / Ver chuva de Deus no chão... Ao Senhor que está na cruz / Vos ofereço este
bendito / Ao Senhor que está na cruz / Que nós dê chuva e bom tempo / Para
sempre, amém, Jesus”.
Depoimento de uma filha da seca à
espera que o santo José molhe o seu torrão de vida:
“Às vez a
gente pensa assim: não chove janeiro, nem chove fevereiro, aí a gente vai
apelar pro Dia de São José (19 de março). Até uns três dia antes a gente tá com
esperança que ele ainda vai mandar chuva. Aí o que acontece? Às vez chega até o
dia de São José e não tem chovido ainda... mas aí quando chega... mermo assim
ele manda aquela chuva pra juntar um pouco d’água. Gosto.
Toda hora
que tem chuva eu tomo banho na chuva, me moio toda, encho as vasilha... Aí
começa a chover de novo, torno a me moiar, moio a casa, moio tudo... Eu gosto
de chuva...”
Cada povo,
regido por suas faltas, driblando suas adversidades, vai se reinventando,
metamorfoseando-se, adaptando-se às circunstâncias, inclusive em suas formas em
lidar com os alimentos. Diante do risco da fome, todos se parecem, todos tem um
mesmo objetivo: sobreviver. No século XIX, alcançando suas futuras guerras,
período de grande escassez de alimentos, a batata salvou a Europa, tornando-se
a sua grande reserva alimentar. Devido
ao seu alto valor proteico, alimento de fundamental importância para a população,
o tubérculo tornou-se objeto de desejo. Tê-lo, demostrava sinal de força,
possível vitória diante do inimigo. “Ao vencedor, as batatas”.
Em Quincas
Borba, Machado de Assis analisa a importância da batata na correlação de
forças entre as sociedades. “Supõe tu um campo de batatas e duas tribos
famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim
adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas
em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não
chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a
destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e
recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações,
recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra
não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de
que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
Sobreviver, sem jamais alcançar
uma vitória, apenas persistir; conquistar o direito de manter-se vivo,
superando aqueles que sucumbiram às misérias dos tempos. Encontram nas batatas
o alimento da vida. É isso que justifica a luta dos desvalidos, daqueles que se
tornaram excluídos e invisíveis à sociedade.
Em 1885, Van Gogh, por meio de sua
famosa obra Os Comedores de Batatas, representa de maneira expressiva
esse momento de crise. Em cada traço desta obra, o autor denuncia a condição
existencial do homem que está sendo abandonado pelo progresso que se aproxima.
É um triste retrato da condição humana. Em torno de uma mesa, uma família de
camponeses compartilha uma refeição, tendo as batatas como seu único alimento.
Com mais sombras do que luz, acentuando as cores escuras – em tons de pastel e
com traços rústicos –, o autor busca, por meio de uma estética realista,
denunciar o abandono do homem do campo, que se torna cada vez mais invisível
com a chegada dos tempos modernos, com a chegada do progresso da revolução
industrial.
Sem
dificuldade, poder-se-ia contar, através dos alimentos, a história da
humanidade. Priorizando este ou aquele alimento, conforme a ordem das
circunstâncias, segundo a qual o homem se vê e se reconhece no mundo. Não há
dúvida, a cultura alimenta o espírito, o alimento alimenta o corpo. Mas, quase
sempre, eles se encontram, se unificam, tornando quase impossível separá-los. É
claro que o homem não é só alimento, tão pouco é só espírito. Ambos, estão
juntos e misturado, dando as condições para que o homem faça a sua caminhada
neste mundo. “Favo de mel são as palavras suaves, doce para alma e saúde para os
ossos” (Provérbio, 16:24).
Na arte de
sobreviver, o que não falta é criatividade. Sim, de certa forma, em torno do
alimento, é através da criatividade que as sociedades se inventam, reinventam e
sobrevivem. Correndo o risco de errar, é possível afirmar que nenhuma
sociedade, em algum momento de sua história, deixou de fazer uso da
criatividade para sobreviver quando foi visitada pelo infortúnio da fome. Os
franceses, não tendo como conservar os alimentos e vendo-os entrarem em estado
de decomposição, usaram a criatividade, tornaram-se grandes criadores de
molhos, com os quais salvavam, para o corpo, aqueles alimentos que já não
agradavam bem ao olfato. Sob a recomendação de Napoleão, descobriu-se como se
conservar alimentos por mais tempo, o que garantia, nos períodos de guerra ou
de castigos climáticos, que não faltasse alimentos. Para ficarmos mais perto de
casa, a nossa feijoada, “preferência nacional”, tem sua origem nos restos dos
animais sacrificados para a refinada alimentação da casa grande, onde,
vísceras, cabeça, rabos, pés... eram encaminhados para a senzala, sendo
aproveitados pelos escravos em sua alimentação. Sem panelas para cozinhar os
alimentos separadamente, eles os reuniam todos em uma única panela,
acrescentando a eles o feijão, dando origem a nossa conhecida feijoada. O que
nasceu da pobreza da senzala, não demorou, conquistou o seu lugar na mesa das
elites, sendo chancelada como um bem cultural.
Contando com o admirável delírio dos poetas, a feijoada elevou-se à
poesia, alimentando, não só o corpo, mas também o espírito. “Vou te contar um
segredo / De uma deliciosa combinação / É de lamber os beiços / E de esquentar
o coração / Orelha de porco, rabinho e costela / Escalda tudo e põe na panela /
Pé de porco, lombo, carne seca linguiça e feijão / Não se esqueça do louro e se
quiser ponha salsão / Tempere com alho, cebola e uma boa pimenta / Vai misturando
tudo cantando uma canção / Nossos irmãos sequer imaginaram / Que os restos que
o branco rejeitou / Aos poucos se transformou / No prato tipicamente brasileiro
/ Que a todos agradou / Vem gente de toda parte / Conhecer a sua arte / Tão
sofrida e tão bela / Que já derramou muitas lágrimas na panela / Servida com
laranja, couve e um arroz bem branquinho / Não esqueça a farinha e um bom
torresminho / Uma mistura perfeita, feita com todo carinho / branco no preto, o preto no branco / Como
desejar / A miscigenação de um povo / Que acaba de criar: Brasil e África num
só lugar!” (Nivânia Carvalho). “Uma velha
e perfeita cozinheira a quem pedi a fórmula sagrada / Da feijoada à mineira, /
Mandou-me. Ei-la: "Receita de feijoada - / Tome coisa de um litro de
feijão preto, novo, sem bicho, / E, depois de catado com capricho, / Jogue no
caldeirão. / [...] Quando estiver o caldeirão fervendo / Ou antes, deite o sal,
/ As mãos de porco, orelhas e, querendo / Focinhos e rabo; isto (está claro)
tendo, / Porque não tendo é o mesmo, não faz mal. / Se, além desses preparos,
deitar nela / Linguiça e mais um osso de presunto, / Só o cheiro da panela /
Faz crescer água à boca de um defunto... (Carlos D. de Andrade).
Assim, em cada canto, o povo, vestindo-se de
suas peculiaridades, vai construindo suas relações com a comida. No primeiro
momento, usa-se o alimento como meio de preservação da vida, bem maior da
espécie; no segundo momento, o alimento é elevado a um bem cultural, adquire
uma representação valorativa imaterial. Além de alimento físico, torna-se
alimento espiritual. É como um bem cultural que a comida se aproxima da
religião. Traz-se para a religião, valores que estão para além de suas representações
física. O alimento sacraliza-se, incorpora-se a eles signos e significados
religiosos que cada povo adotou em suas relações com os seus deuses.
Os homens,
buscando se aproximar dos deuses, estabelecendo com eles uma certa intimidade,
passam a conviver com eles no seu dia a dia. Tudo vai se impregnando do
sagrado. Os deuses estão por toda parte.
Tudo se encontra cheio de deuses. Os deuses tornam-se presentes em tudo,
inclusive nos alimentos. O pão, já não uma simples mistura Química de
vários elementos: água, farinha de trigo, fermento, banha, açúcar, sal..., não,
vai além disso, sacralizou-se, tornou-se um ente espiritual, uma presença
divina entre os homens. Aristóteles, citado por Heidegger, em seu trabalho: Carta
sobre o humanismo, narra o que teria ocorrido com o filósofo Heráclito.
Alguns forasteiros foram visitá-lo. Lá chegando, o encontraram junto ao fogão,
provavelmente cuidando do pão. Vendo-o num lugar tão insignificante, indigno
para um sábio, não esconderam uma certa decepção. Heráclito, percebendo o
desencanto dos visitantes, convida-os a entrar e, buscando levar um pouco de
ânimo às suas almas, diz-lhes: “Pois também aqui estão presentes deuses...”
A sacralização dos
alimentos, exige respeito, devoção, culto. Através de seus ritos, os homens
buscam a boa convivência com os deuses, busca os seus cuidados, a sua proteção.
Muda-se a religião, mas mantem-se um princípio comum: o homem, recorrendo aos deuses
em busca dos seus cuidados, em busca de sua salvação. Para agradar aos deuses,
obtendo os seus beneplácitos, os homens elaboram seus cultos, fazem suas
oferendas, põe seus alimentos no altar dos sacrifícios. Em certa medida, é em
torno do alimento que as religiões celebram a sua relação com o sagrado. Seja
com o sacrifício físico de animais, seja com a oferta dos frutos da terra,
transformados em alimentos, cozidos ou não, seja com a transubstanciação, onde
o alimento muda sua identidade substancial, transformando-se, por exemplo, o
pão e o vinho, no corpo e no sangue do Salvador. “Eu sou o pão vivo descido do
céu. Quem comer deste pão viverá para sempre. [...] Quem come minha carne e
bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois
minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue verdadeiramente bebido.
Quem come minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele” (João
- 6:51-56).
Recomenda-se aos
desavisados, não falar mal dá hóstia, representação viva do corpo de Cristo,
devidamente guardada no sacrário, ou das comidas de santos, ofertadas nos
cultos, como, por exemplo, o bolinho de feijão, frito no azeite de dendê, mais
conhecido como acarajé, comida preferida de Xangô, e de sua esposa, Iansã, se
não quiser perecer por toda a eternidade.
“No candomblé os deuses comem. Cada um tem sua
comida particular, de seu agrado
pessoal, de sua
preferência pessoal” ( Vivaldo C.
Lima - A anatomia do
acarajé...). Segundo o babalorixá e antropólogo Vilson
Caetano, “não existe Candomblé sem comida. É uma religião que gira em torno de
comer...”. A cozinha, no Candomblé, torna-se um lugar de iniciação, lugar de
ensinamento e aprendizagem. Uma verdadeira universidade. Seus armários são
estantes, e cada elemento presente nesse espaço é como um livro, ávido para ser
lido e compartilhado. A cozinha transforma-se em um lugar sagrado, como se
fosse o coração do santo, um espaço de culto onde os homens preparam suas
oferendas, buscando agradar seus deuses e tê-los como seus cuidadores.
Em seu livro Santo Também Come,
Raul Lody esclarece os motivos que levam os homens a recorrerem à comida para
agradar aos deuses:
“Os motivos socializadores de se oferecer
comidas rituais aos deuses africanos ajudam no fortalecimento dos laços
religiosos e éticos que unem os adeptos das religiões afro-brasileiras,
contribuindo para o aumento do contato entre homens e deuses. O costume de
oferecer alimentos aos deuses reforça a fé e as identidades”
Os Orixás são
exigentes, gostam dos alimentos bem preparados. Tem paladar refinados. Quem
deseja agradá-los e, em troca, receber os seus cuidados, deve qualificar-se na
arte da culinária sagrada. Para não correr riscos, desejando agradar Iansã,
filha de Iemanjá e Oxalá, amante de Xangô, preparando-lhe um saboroso Vatapá,
por segurança, melhor recorrer aos ensinamentos de Dorival Caymmi, um Buda
Nagô, segundo Gilberto Gil, com certeza o resultado não desagradará os Orixás:
“Quem quiser vatapá, ô / Que procure fazer / Primeiro o fubá / Depois o
dendê / Procure uma nega baiana, ô / Que saiba mexer / Que saiba mexer... /
[...] Bota castanha de cajú, um bocadinho mais / Pimenta malagueta, um
bocadinho mais... / [...] Amendoim, camarão, rala um côco / Na hora de machucar
/ Sal com gengibre e cebola, iaiá / Na hora de temperar / Não para de mexer, ô
/ Que é pra não embolar / Panela no fogo / Não deixa queimar / Com qualquer dez
mil réis e uma nega, ô / Se faz um vatapá...
Sinto-me
estranho, vendo-me como um ser de um outro planeta, quase um negador das
iguarias dos deuses. Como ateu que sou, não me submeto ao sacramento da comunhão, momento
no qual o cristão recebe o corpo e o sangue de Cristo; por outro lado, mesmo
vivendo na terra onde se cultua vários alimentos, regidos pela identidade do
azeite, não faz parte do meu hábito alimentar. Mesmo morando em uma cidade onde
o acarajé é cultuado, não como um simples alimento, mas como uma iguaria
consagrada aos deuses, levo cinco ou seis anos sem apreciá-lo. A culpa não é do acarajé, tampouco de elitismo alimentar de minha parte, é
que, de verdade, não tive sorte, mesmo tendo nascido na Bahia, nasci em uma
região onde o azeite (de dendê) não faz parte da culinária. Por aquelas bandas,
bem longe do litoral, pouco se consumia frutos do mar, no máximo, muito
raramente, se consumia peixes de água doce, pescados em algum rio da redondeza.
Por outro lado, é uma região que sofreu muito pouco a influência da culinária
originária da África que, ao aqui chegar, misturando-se à nova cultura,
tornou-se a culinária afro-brasileira. Por muito tempo, essa culinária me era
desconhecida. Fui conhecer essas iguarias, já na fase dos quinze anos, quando
meu hábito alimentar já estava formado. Claro que novos hábitos podem ser
adquiridos, e velhos hábitos abandonados ou reformados, não nego, mas também
não nego que essa seja uma tarefa fácil. O hábito é conservador, acaba por
criar raízes profundas, resistindo às mudanças. Com o tempo, acabei me
aproximando da comida de azeite. De vez em quando faço uso de suas delícias,
mas, para ser sincero, é um alimento que ainda não conquistou o meu paladar,
ainda não me tornei seu devoto.
Não faz
muito tempo, convidado a visitar um terreiro de candomblé, em uma noite
festiva, depois de admirar o belo culto, lá pelas tantas, foi servido um
caruru, com todos os seus sagrados acompanhamentos. Não posso mentir, comi como
um deseducado que, sem regras, sem limites, comete o pecado da gula, dando ao
corpo mais do que ele precisava. “[...] jamais provou uma iguaria, jamais
degustou uma iguaria
quem sempre a
comeu com moderação (Walter Benjamin - Rua de mão
única).
Assim, anarquicamente,
sem devoção, mas com respeito, vou frequentando as igrejas, comendo do seu pão,
bebendo do seu vinho.
Bem, vamos voar para outro canto;
prefiro não adormecer à sombra das minhas preferências culinárias.
Querendo
fugir de uma observação particular, acabamos por cair em outra, agora sobre uma
certa preferência dos deuses. Falando neles, não se pode negar, sempre tiveram
bom gosto. Não é por outro motivo que os homens buscam imitá-los, tomá-los como
referência na condução de suas vidas. É olhando para a configuração de seus
deuses que o homem vai se construindo à sua imagem e semelhança. No primeiro
momento, o homem inventa o seu ideal, no segundo momento, imita-se nele, toma-o
como referência na configuração de sua própria ordenação existencial. Segundo a
religião, pelo menos para aquela na qual se sedimenta a formação cultural do
Ocidente, o mundo encontra-se duplicado. Em um dos Mundos, habita o homem, com
suas faltas, seus pecados, no outro Mundo, reina um Deus todo poderoso, um Ser
perfeito, total, cheio, esférico, encarnação da ausência de qualquer falta. O
papel da religião é religar - religare - esses dois mundos, levando de
volta o homem para a sua casa originária, aquela na qual ele vivia antes de sua
queda, de sua expulsão do Paraiso. Cada homem, condenado por sua falta, a viver
no mundo do engano, da dor, do sofrimento, deve, através de sua fé, buscar
purgar as suas faltas, purificando-se dos seus pecados, para que, ao final da
sua caminhada, possa retornar à casa do Pai, conquistando a vida eterna. Se
esta é a condição do homem, não lhe resta muitas alternativas. Melhor tomar
cuidado, mantendo-se perto dos deuses, não se distanciando das suas promessas.
Para não os ter como inimigo, o homem busca agradá-los, colocando sobre o altar
do sacrifício aquilo que eles mais gostam de receber: “o pão da vida”. Os
deuses não se contentam com pouco. Não é um simples pedaço de pão que é
ofertado aos deuses, não, ao contrário, é “o pão da vida”, no limite, é a
própria vida que é ofertada em sacrifício. É de vida que os deuses se
alimentam. “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe,
mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu
discípulo”. (Lucas, 14:26-27)
Como os
deuses são exigentes, todo sacrifício a eles dirigidos, devem obedecer aos
preceitos indicados pelo livro sagrado, ou através da força da cultura oral
que, ao longo dos tempos, vai transformando a tradição em leis. Fora dessas
demarcações legais, o sacrifício pode não agradar aos deuses. E, neste caso, o
sacrifício terá sido em vão. Esse é um risco que nenhum devoto quer correr. “Não oferecerei coisa alguma que tenha defeito,
porque não seria aceito em vosso favor... Não oferecereis a iahweh animal cego,
estropiado, mutilado, ulceroso, com dartros ou purulento. Nenhuma parte de tais
animais será colocado sobre o altar como oferenda. (Levítico, 22:19-22).
“Nunca sacrificarás para Iahweh teu Deus um boi ou uma ovelha com
defeito ou qualquer coisa grave: seria uma abominação para Iahweh teu
Deus” (Deut. - 17:1).
Onde
muitos são os deuses, muitos são os alimentos sagrados. Cabendo a cada deus, ou
a cada divindade, na ordem de sua relação com o sagrado, o alimento de sua
preferência, aquele que mais o deixa alegre
O
hinduísmo tornou a vaca um animal sagrado, evitando o sacrifício dos animais,
excluindo as carnes e os peixes, alimentam-se basicamente de vegetais, legumes,
cereais, lentilha, coalhada, leite.... Com esse tipo de alimentação, espera-se
agradar ao seu Deus Supremo. Krishna agradece.
O
judaísmo, por sua vez, elabora o seu cardápio alimentar, distinguindo os
alimentos “puros” dos “impuros”, segundo o que determina o Antigo Testamento. O
povo de Israel deve se alimentar de todo animal que tem “casco fendido e que
ruminam”, deles tem origem os alimentos puros. Entre os “alimentos impuros”,
que devem ser evitados, estão, o coelho, a lebre, o porco (que, apesar de ter o
casco fendido, não rumina), entre outros... Dos alimentos originários das águas
doces ou salgadas, tudo que tem barbatanas e escamas, pode ser consumido, todo
o resto são alimentos impuros, que devem ser evitados...
Posição
diferente toma o cristianismo. Já profundamente influenciado pelo iluminismo
helênico, afasta-se do irracionalismo pré-conceitual e aproxima-se do mundo do
conceito, onde o mundo da natureza começa a ser decifrado e organizado segundo
a ordem da razão.
Se no
Antigo Testamento, quem rege é o Deus da força, “olho por olho, dente por
dente”, como orienta Moises, Levítico, 24:19. O Novo Testamento, ao
contrário, a força é substituída pelo amor, a vingança, pelo perdão, como diz Mateus,
5:39: “Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém,
vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita
oferece-lhe também a esquerda”. Revoga-se a velha lei. “Assim sendo, ao falar
da nova aliança, tornou velha a primeira. Ora, o que se torna antigo e envelhece está prestes a
desaparecer (Hebreus – 8:13).
Em
substituição à força, o amor passa a ser a Lei que irá orientar a relação entre
os homens, bem como a sua relação com o Cosmo. [...] e um deles, - a fim de
pô-lo à prova - perguntou-lhe: “Mestre,
qual é o maior mandamento da Lei?” Ele respondeu: Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o
teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é
semelhante a este: Amará o teu
próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os
Profetas” (Mateus – 22:35-40).
É a ascensão – ou a vitória - da
cultura sobre a natureza. Já não há mais espaço para o sacrifício físico de
homens ou animais em louvor aos deuses. O sacrifício se desloca, abandona o
mundo material e encontra sua nova morada no universo dos conceitos, no mundo
meta-físico.
Para a
nova religião, aquela que anuncia o Filho de Deus como o verdadeiro alimento do
homem, não há alimentos “impuros”, o homem pode alimentar-se de tudo o que Deus
lhe ofereceu, indicando unicamente que, em certos dias do ano, por exemplo, da Páscoa
–, quando se comemora a vitória de Cristo sobre a morte, o cristão deve evitar
as carnes, compondo sua alimentação com peixes. Excetuando essa restrição
alimentar, não há outra, todos os alimentos são puros, podendo o homem
alimentar-se de tudo que foi criado por Deus. Nada há no exterior do homem que,
penetrando nele, o possa tornar impuro; mas o que sai do homem, isso é o que o
torna impuro. “[...] Não entendeis que tudo o que vem de fora, entrando no
homem, não pode torná-lo impuro, porque nada disso entra no coração, mas no
ventre, e sai para a fossa? (Marcus: 7:15-19).
Escrever é um caminhar constante, um perder-se e reencontrar-se, para
então se perder novamente... As fronteiras se alargam e, sem perceber, nos
distanciamos da referência que orientou o início da investigação.
A intenção
original era refletir sobre a relação entre o alimento e a vida. Essa intenção
permanece. Esta é uma etapa; a próxima encontra-se na fornalha.
Serpenteando pelas complexidades culturais, a humanidade vai trilhando o
seu percurso, lutando para preservar-se, sem deixar que lhe falte aquilo que é
condição para a sua própria existência: “o pão nosso de cada dia”.
Misturando
seus próprios temperos, cada sociedade constrói, por meio dos alimentos, sua identidade
cultural. Cada povo, imerso em seus sabores, afirma sua presença no mundo,
existindo como sociedade humana, abrindo portas, janelas e aromas para a
diversidade cultural. Assim caminha a humanidade, alimentando-se do mundo,
fazendo-se mundo.
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